Adeus
Já gastámos as palavras pela rua,meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugenio de Andrade
Então e ninguem se lembra do cavalo branco? Epa, era comuna mas foi importante para Portugal... Falou quando mais ninguem ousava sequer pensar. Bem, enfim.. morrem que nem tordos.
Excelente escolha, satanhoco...pura verdade em palavras certeiras e singelas, que nada mais fazem do que nos questionar sobre o sentido de certos longos ou curtos instantes...
Quanto ao comuna, se as palavras que deixou não serão imortalizadas a cada renovada leitura, não será certamente esquecida a cabeleira branca e a sobrancelha severa (não de comer criançinhas, mas de lutar pelos seus mais genuínos ideais).
Ao poeta e ao camarada o mais sincero e português adeus
Vem dos lados do rio, as mãos fresquíssimas, algumas gotas de água ainda nos cabelos. Com a manhã chega o anónimo respirar do mundo. Um cheiro a pão fresco invade o pátio todo. Vem dos lados do rio: para levar à boca, ou ao poema.
E.Andrade